CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE

 

RESOLUÇÃO No 340, DE 8 DE JULHO DE 2004

 

 

O Plenário do Conselho Nacional de Saúde, em sua Centésima Quadragésima Quarta Reunião Ordinária, realizada nos dias 7 e 8 de julho de 2004, no uso de suas competências regimentais e atribuições conferidas pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, e pela Lei no 8.142, de 28 de dezembro de 1990, e

 

Considerando o recente avanço técnico-científico e suas aplicações na pesquisa em genética humana, exigindo posicionamento de instituições, pesquisadores e Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) em todo o País, demandando, portanto, regulamentação complementar à Resolução CNS No 196/96 (Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos), atribuição da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), conforme item VIII.4 daquela Resolução;

 

Considerando os subsídios advindos do sistema CEPs – CONEP e a experiência acumulada na análise dos projetos de pesquisa dessa área até o momento; e

 

Considerando a necessidade de serem observados os riscos potenciais à saúde e a proteção dos direitos humanos, das liberdades fundamentais e do respeito à dignidade humana na coleta, processamento, uso e armazenamento de dados e materiais genéticos humanos,

 

RESOLVE:

Aprovar as seguintes Diretrizes para Análise Ética e Tramitação dos Projetos de Pesquisa da Área Temática Especial de Genética Humana:

 

I – Preâmbulo:

 

A presente Resolução incorpora todas as disposições contidas na Resolução CNS No 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, sobre Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisas Envolvendo Seres Humanos, da qual esta é parte complementar da área temática específica, e incorpora também, no que couber, as disposições constantes das Resoluções CNS Nos 251/97, 292/99, 303/2000 e 304/2000.

 

II – Termos e Definições:

 

II.1 – A pesquisa em genética humana é a que envolve a produção de dados genéticos ou proteômicos de seres humanos, podendo apresentar várias formas:

a) pesquisa de mecanismos genéticos básicos: estudos sobre localização, estrutura, função e expressão de genes humanos e da organização cromossômica;

b) pesquisa em genética clínica: pesquisa que consiste no estudo descritivo de sujeitos individualmente e/ou em suas famílias, visando elucidar determinadas condições de provável etiologia genética, podendo envolver análise de informações clínicas e testes de material genético;

c) pesquisa em genética de populações: estudos da variabilidade genética normal ou patológica em grupos de indivíduos e da relação entre esses grupos e uma condição particular;

d) pesquisas moleculares humanas: pesquisa que envolve testes moleculares associados ou não a doenças; estudos genéticos ou epigenéticos dos ácidos nucléicos (DNA e RNA) ou de proteínas visando a novos tratamentos ou à prevenção de desordens genéticas, de outras patologias ou à identificação de variabilidade molecular;

e) pesquisa em terapia gênica e celular: introdução de moléculas de DNA ou RNA recombinante em células somáticas humanas in vivo (terapia gênica in vivo) ou células somáticas humanas in vitro e posterior transferência dessas células para o organismo (terapia gênica ex vivo) e pesquisas com células-tronco humanas com modificações genéticas; e

f) pesquisa em genética do comportamento: estudo com o objetivo de estabelecer possíveis relações entre características genéticas e comportamento humano.

 

II.2 – Todo procedimento relacionado à genética humana, cuja aceitação não esteja ainda consagrada na literatura científica, será considerado pesquisa e, portanto, deverá obedecer às diretrizes desta Resolução. Incluem-se procedimentos de genética em reprodução assistida, não regulados pelo Conselho Federal de Medicina

 

III – Aspectos Éticos:

 

A finalidade precípua das pesquisas em genética deve estar relacionada ao acúmulo do conhecimento científico que permita aliviar o sofrimento e melhorar a saúde dos indivíduos e da humanidade.

III.1 – A pesquisa genética produz uma categoria especial de dados por conter informação médica, científica e pessoal e deve por isso ser avaliado o impacto do seu conhecimento sobre o indivíduo, a família e a totalidade do grupo a que o indivíduo pertença.

III.2 – Devem ser previstos mecanismos de proteção dos dados visando evitar a estigmatização e a discriminação de indivíduos, famílias ou grupos.

III.3 – As pesquisas envolvendo testes preditivos deverão ser precedidas, antes da coleta do material, de esclarecimentos sobre o significado e o possível uso dos resultados previstos.

III.4 – Aos sujeitos de pesquisa deve ser oferecida a opção de escolher entre serem informados ou não sobre resultados de seus exames.

III.5 – Os projetos de pesquisa deverão ser acompanhados de proposta de aconselhamento genético, quando for o caso.

III.6 – Aos sujeitos de pesquisa cabe autorizar ou não o armazenamento de dados e materiais coletados no âmbito da pesquisa, após informação dos procedimentos definidos na Resolução sobre armazenamento de materiais biológicos.

III.7 – Todo indivíduo pode ter acesso a seus dados genéticos, assim como tem o direito de retirá-los de bancos onde se encontrem armazenados, a qualquer momento.

III.8 – Para que dados genéticos individuais sejam irreversivelmente dissociados de qualquer indivíduo identificável, deve ser apresentada justificativa para tal procedimento para avaliação pelo CEP e pela CONEP.

III.9 – Nos casos de aprovação de desassociação de dados genéticos pelo CEP e pela CONEP, deve haver esclarecimento ao sujeito de pesquisa sobre as vantagens e desvantagens da dissociação e Termo de Consentimento específico para esse fim.

III.10 – Deve ser observado o item V.7 da Resolução CNS No 196/96, inclusive no que se refere a eventual registro de patentes.

III.11 – Os dados genéticos resultantes de pesquisa associados a um indivíduo identificável não poderão ser divulgados nem ficar acessíveis a terceiros, notadamente a empregadores, empresas seguradoras e instituições de ensino, e também não devem ser fornecidos para cruzamento com outros dados armazenados para propósitos judiciais ou outros fins, exceto quando for obtido o consentimento do sujeito da pesquisa. III.12 – Dados genéticos humanos coletados em pesquisa com determinada finalidade só poderão ser utilizados para outros fins se for obtido o consentimento prévio do indivíduo doador ou seu representante legal e mediante a elaboração de novo protocolo de pesquisa, com aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa e, se for o caso, da CONEP. Nos casos em que não for possível a obtenção do TCLE, deve ser apresentada justificativa para apreciação pelo CEP.

III.13 – Quando houver fluxo de dados genéticos humanos entre instituições deve ser estabelecido acordo entre elas de modo a favorecer a cooperação e o acesso eqüitativo aos dados.

III.14 – Dados genéticos humanos não devem ser armazenados por pessoa física, requerendo a participação de instituição idônea responsável, que garanta proteção adequada.

III.15 – Os benefícios do uso de dados genéticos humanos coletados no âmbito da pesquisa, incluindo os estudos de genética de populações, devem ser compartilhados entre a comunidade envolvida, internacional ou nacional, em seu conjunto.

III.16 – As pesquisas com intervenção para modificação do genoma humano só poderão ser realizadas em células somáticas.

 

IV – Protocolo de Pesquisa:

 

IV.1 – As pesquisas da área de genética humana devem ser submetidas à apreciação do CEP e, quando for o caso, da CONEP como protocolos completos, de acordo com o capítulo VI da Resolução CNS No 196/96, não sendo aceitos como emenda, adendo ou subestudo de protocolo de outra área, devendo ainda incluir:

a) justificativa da pesquisa; b) como os genes/segmentos do DNA ou do RNA ou produtos gênicos em estudo se relacionam com eventual condição do sujeito da pesquisa;

c) explicitação clara dos exames e testes que serão realizados e indicação dos genes/segmentos do DNA ou do RNA ou de produtos gênicos que serão estudados;

d) justificativa para a escolha e tamanho da amostra, particularmente quando se tratar de população ou grupo vulnerável e de culturas diferenciadas (grupos indígenas, por exemplo);

e) formas de recrutamento dos sujeitos da pesquisa e de controles, quando for o caso;

f) análise criteriosa dos riscos e benefícios atuais e potenciais para o indivíduo, o grupo e gerações futuras, quando couber;

g) informações quanto ao uso, armazenamento ou outros destinos do material biológico;

h) medidas e cuidados para assegurar a privacidade e evitar qualquer tipo ou situação de estigmatização e discriminação do sujeito da pesquisa, da família e do grupo;

i) explicitação de acordo preexistente quanto à propriedade das informações geradas e quanto à propriedade industrial, quando couber;

j) descrição do plano de aconselhamento genético e acompanhamento clínico, quando indicado, incluindo nomes e contatos dos profissionais responsáveis, tipo de abordagens de acordo com situações esperadas, conseqüências para os sujeitos e condutas previstas. Os profissionais responsáveis pelo aconselhamento genético e acompanhamento clínico deverão ter a formação profissional e as habilitações exigidas pelos conselhos profissionais e sociedades de especialidade;

l) justificativa de envio do material biológico e/ou dados obtidos para outras instituições, nacionais ou no exterior, com indicação clara do tipo de material e/ou dados, bem como a relação dos exames e testes a serem realizados. Esclarecer as razões pelas quais os exames ou testes não podem ser realizados no Brasil, quando for o caso; e

m) em projetos cooperativos internacionais, descrição das oportunidades de transferência de tecnologia.

 

V – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE):

 

V.1 – O TCLE deve ser elaborado de acordo com o disposto no capítulo IV da Resolução CNS No 196/96, com enfoque especial nos seguintes itens:

a) explicitação clara dos exames e testes que serão realizados, indicação dos genes/segmentos do DNA ou do RNA ou produtos gênicos que serão estudados e sua relação com eventual condição do sujeito da pesquisa;

b) garantia de sigilo, privacidade e, quando for o caso, anonimato;

c) plano de aconselhamento genético e acompanhamento clínico, com a indicação dos responsáveis, sem custos para os sujeitos da pesquisa;

d) tipo e grau de acesso aos resultados por parte do sujeito, com opção de tomar ou não conhecimento dessas informações;

e) no caso de armazenamento do material, a informação deve constar do TCLE, explicitando a possibilidade de ser usado em novo projeto de pesquisa.É indispensável que conste também que o sujeito será contatado para conceder ou não autorização para uso do material em futuros projetos e que quando não for possível, o fato será justificado perante o CEP. Explicitar também que o material somente será utilizado mediante aprovação do novo projeto pelo CEP e pela CONEP (quando for o caso);

f) informação quanto a medidas de proteção de dados individuais, resultados de exames e testes, bem como do prontuário, que somente serão acessíveis aos pesquisadores envolvidos e que não será permitido o acesso a terceiros (seguradoras, empregadores, supervisores hierárquicos etc.);

g) informação quanto a medidas de proteção contra qualquer tipo de discriminação e/ou estigmatização, individual ou coletiva; e

h) em investigações familiares deverá ser obtido o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido de cada indivíduo estudado.

 

VI – Operacionalização:

 

VI.1 – Cabe ao CEP, conforme o disposto no capítulo VII da Resolução CNS No 196/96, a análise dos projetos de pesquisa, assumindo co-responsabilidade no que diz respeito aos aspectos éticos.

VI.2 – Cabe ao CEP devolver de imediato ao pesquisador o protocolo que não contiver todas as informações relevantes (capítulo VI – Resolução CNS Nº 196/96, assim como as referidas nos capítulos III e IV da presente Resolução).

VI.3 – Cabe à CONEP a aprovação final das pesquisas em genética humana que incluam:

a) envio para o exterior de material genético ou qualquer material biológico humano para obtenção de material genético;

b) armazenamento de material biológico ou dados genéticos humanos no exterior e no País, quando de forma conveniada com instituições estrangeiras ou em instituições comerciais;

c) alterações da estrutura genética de células humanas para utilização in vivo;

d) pesquisas na área da genética da reprodução humana (reprogenética);

e) pesquisas em genética do comportamento; e

f) pesquisas em que esteja prevista a dissociação irreversível dos dados dos sujeitos de pesquisa.

 

VI.4 – Nos casos previstos no item VI.3 acima, o CEP deverá examinar o protocolo, elaborar o parecer consubstanciado e enviar ambos à CONEP com a documentação completa conforme a Resolução CNS No 196/96, itens VII.13.a e b e VIII.4.c.1. O pesquisador deve ser informado que deverá aguardar o parecer da CONEP para início da execução do projeto.

VI.5 – Fica delegada ao CEP a aprovação final dos projetos de genética humana que não se enquadrem no item VI.3 acima. Nesses casos, o CEP deve enviar à CONEP a folha de rosto e o parecer consubstanciado final, seja de aprovação ou não aprovação.

VI.6 – A remessa de material para o exterior deve obedecer às disposições normativas e legais do País.

 

 

HUMBERTO COSTA

Presidente do Conselho Nacional de Saúde

 

Homologo a Resolução CNS No 340, de 8 de julho de 2004, nos termos do Decreto de Delegação de Competência de 12 de novembro de 1991.

 

HUMBERTO COSTA

Ministro de Estado da Saúde